Capítulo 4 - Um Corpo na Escuridão
Para ampliarmos a sensação de suspense inserimos uma trilha para ser tocada acompanhado a leitura. (Não sejam covardes)
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Capítulo 4 - Um Corpo na Escuridão
Ao fim da festa tudo o que restara eram corpos cansados e ofegantes caídos no gramado. Olhos focados ao céu e inconscientes sorrisos no rosto.
Tia Cassie e tio Lincoln já haviam caído no sono em seus quartos. Os vizinhos já tinham ido embora depois de meia hora de festa, provavelmente por tio Lincoln tê-los educadamente expulsado por já estar cansado. Amy desapareceu, provavelmente foi embora enquanto eu estava ocupado demais prestando atenção em Cassandra. Gabe e Vinny estavam aos roncos de baixo da mesa de jantar na cozinha. Jon estava no meu quarto, provavelmente jogando e reclamando do quanto o meu computador era lento. Dave estava bêbado no banheiro, falando coisas sem sentido ao telefone, provavelmente era a ex-namorada dele, Julie. E no gramado, do lado de fora da casa, olhando para os céus, estava Gih e eu.
- Hoje foi incrível – Comentei
- Foi sim! – Gih assentiu.
- Sabe... Eu estava aqui pensando... Acho que vou chamar a Cassandra pra sair – Eu disse, decidido por fora e inseguro por dentro. – Alguma sugestão, miss lésbica?
- Sei lá, cara! Ela já tá tão na tua que eu acho que nem precisa fazer muito esforço – Respondeu, desinteressada.
- Você tá viajando, cara! – Disse constrangido, dando um amigável soco em seu ombro.
- Pode crer que estou – Respondeu ela. Parecia estar totalmente chapada com aquele sorriso bobo, olhos lacrimejantes e bocejos frenéticos. Ela apagaria a qualquer momento.
- Amanhã... Quero dizer... Hoje!... É terça-feira... Talvez eu convide-a para a "Tarde da Jogatina" – Eu disse. – Acha que soaria estranho por ela ser uma garota? Eu sei que você também é e você vai, mas você é você, né?... Hm... Gih?
Seu silêncio desinteressado foi substituído pelo som de seus roncos guturais. Olhei para ela, estava desligada. Fico me perguntando se ela ouviu alguma coisa do que eu disse antes de apagar. Desatei a sorrir e voltei minha atenção para o céu. O clima estava surpreendentemente agradável. Meu corpo estava em ecstasy e eu me sentia inexplicavelmente bem.
Os passarinhos já iniciavam seu canto, o som da manhã se aproximando me levou de volta ao meu momento com Cassandra. Lá estava ela, novamente dominando meus pensamentos como na "pista de dança". Como chama-la para sair? Será que ela aceitaria? Será que tudo aquilo que rolou na festa foi um mal entendido e ela simplesmente é daquele jeito com todo mundo? O que será que ela achou de mim? E se ela estiver chateada por eu não tê-la levado em casa como Jon disse? Droga... Falta menos de uma hora até o sol nascer completamente e logo a verei na escola, sem a resposta para nenhuma dessas perguntas. A ansiedade é tão grande que me tira o sono.
- Gih, acorda! – Disse, balançando-a na grama. – Temos menos de uma hora para se arrumar para a escola!
- Que? Escola? – Disse Gih. Sua mente ainda parecia dormir. – Eu não vou não, tá louco? E nem acredito que você vai... Vou ficar aqui e ajudar seus tios a arrumar a casa... Vá dormir, cara...
- Mas e a Cassandra? – Eu disse, transparecendo certa decepção. Não queria ir sozinho para a escola, mas também queria muito ver Cassandra. É uma decisão muito difícil.
- Ela é a sua amada, não minha. – Gih voltou a roncar.
- Tá, tá bom – Disse revirando os olhos.
- Ei, o que tá fazendo? – Resmungou ela. Nem se deu o trabalho de abrir os olhos.
Arrastei Gih pelos braços para dentro da casa e a coloquei ao lado de Gabe e Vinny de baixo da mesa de jantar da cozinha. Ela certamente vai odiar acordar ao lado de dois "machos". Corri para o meu quarto para pegar meu uniforme. Jon estava lá, deitado em minha cama, coberto dos pés a cabeça, tão morto quanto Gih. Nem ousarei acorda-lo de seu sono de beleza. Jon não era a pessoa mais bem humorada do universo e esse mau humor era elevado a mais de oito mil ao acorda-lo. E ao julgar por ontem, hoje certamente não era um bom dia para acorda-lo.
Com o uniforme em mãos, o banheiro era o meu próximo alvo. A porta não estava trancada, mas também não queria ser aberta. Empurrei e empurrei, mas ela não abria mais do que cinco centímetros.
- O que foi porra?! – Aquela voz bêbada e irritada certamente era de Dave – Me deixa dormir em paz!
- Eu tenho que me arrumar para a escola, Dave! – Continuei a empurrar a porta. – Abre essa porta, cara!
- Escola? Hoje?! – Ele pareceu ter ficado sóbrio ao se dar conta que ainda era uma terça-feira. – Eita porra!...
Preparei-me para uma última empurrada, mas antes que meu corpo se chocasse contra a porta, ela se abriu. Entrei com tudo tropeçando no corpo de Dave que estava deitado no chão e cai sentado no box.
- Tá de sacanagem, né cara? – Eu disse, puto da vida.
- Foi mal... – Cantarolou enquanto saía correndo do banheiro usando apenas uma cueca branca com bolinhas pretas.
Imediatamente, tranquei a porta e corri de volta para o box. Peguei meu celular e coloquei uma música aleatória para marcar o tempo que eu poderia demorar no banho. Comecei a me despir e joguei minhas roupas para longe. Todo aquele pressa e ansiedade fizeram com que o meu corpo nem sentisse o quanto a água do chuveiro estava gelada.
"... There's a place I see you follow me... Just a taste of all that might come to be..."
"... Existe um lugar no qual eu vejo você me seguir... É só um vislumbre de tudo o que poderia ser...".
Eu estava lá, de baixo do chuveiro. A água caindo em minha cabeça. A música tocando e tudo o que vinha em minha mente eram flashes de Cassandra e eu correndo em câmera lenta em um campo florido. Um em direção ao outro, de braços abertos, prontos para um abraço. Isso é tão ridículo que me fez chegar à deprimente conclusão de que talvez eu esteja começando a me apaixonar... Ah, que vergonha de mim.
Depois que a música chegou ao fim, minha mente incomodada com o silêncio me trouxe de volta à realidade. Meu tempo no banho havia se esgotado. Hora de me vestir, escovar os dentes e partir.
Andei na ponta dos pés em direção a saída para não acordar a galera. A casa estava uma zona. Tia Cassie iria surtar quando acordasse e faria com que todos que ainda estivessem ali arrumassem toda aquela bagunça. Provavelmente, levarei alguns puxões de orelha mais tarde por ter ido à escola. Tia Cassie com certeza irá dizer que a minha ida foi parte de um plano friamente calculado de fugir das minhas responsabilidades com a arrumação pós-festa. Fui até a porta, girei a maçaneta e dei uma última olhada para trás antes de sair. Toda aquela bagunça e silencio me trouxeram certa nostalgia.
Já do lado de fora da casa, fui rapidamente até a minha bicicleta. Abri o cadeado e a soltei. Era sem dúvidas uma bela manhã. O sol finalmente havia nascido completamente e brilhava suavemente. O frio estava extremamente aconchegante e a forte ventania que balançava todas as árvores da vizinhança trazia uma melodia relaxante. O efeito das sombras das árvores somadas á iluminação do sol causavam um efeito incrível no clima e no asfalto. Por fim, coloquei meus fones de ouvido, montei na bicicleta e pedalei a caminho da escola.
- Ah cara, essa não! – Meu coração acelerou. – Merda, merda, merda!...
O trajeto até a escola tinha sido exatamente o mesmo que faço á três anos. Vi as mesmas pessoas, passei pelos mesmos lugares. Mas sabe quando você não está totalmente pronto para uma coisa e o universo parece conspirar para que tudo aconteça quando você está totalmente despreparado? Pois é...Foi exatamente o que aconteceu comigo.
Foram três malditos anos passando pela mesma lanchonete e nunca, em circunstancia alguma, vi Cassandra se quer passar por ali. Mas sim! Lá estava ela. Toda linda e sorridente saindo da lanchonete. O que eu faço? Passo direto e finjo que não a vi? Paro e faço companhia até a escola? Ou que tal só acenar e sair pedalando loucamente? Droga... Só espero que ela não me veja.
- Ei, Matt! – Uma voz meiga e feliz gritou.
Merda, Cassandra me viu.
- O-Oi, Cass! – Respondi, parando a bicicleta ao lado dela que estava acenando para mim.
- Como é que você tá? – Perguntou de braços abertos.
- T-To bem... E... Você? – Eu não conseguia disfarçar o quanto estava nervoso. Abracei-a forte.
- Estou ótima! – Ela sorriu. Desta vez nosso abraço foi o convencional de duração menor que cinco segundos.
- Está indo para a escola? – De todas as perguntas idiotas que eu poderia fazer, essa foi com certeza a mais idiota. Ela está com uniforme, idiota. Para onde mais estaria indo?
- Na verdade, sim! – Ela sorrira balançando a cabeça positivamente enquanto franzia o cenho. – E você?
- Ah, acho que sim – Cocei a cabeça e sorri.
- Então... Que tal descer da bicicleta e me fazer companhia até lá? – Ela sugeriu.
- Ah, claro! – Por que eu não havia tomado essa atitude por conta própria? Droga! – Mas e ai? Deu tudo certo com o seu pai ontem?... Chegou bem em casa?
- Sim, sim... Foi tudo tranquilo! – Ela respondeu, sorrindo como sempre sorria. – E você? Curtiu bastante sem mim?
- Um pouco – Sorri. – Mas confesso que a festa ficou um pouco sem graça depois que você foi embora.
- Aposto que sim! – Ela disse, com um olhar convencido. – Eu sou o brilho de toda festa, querido!
- Pode crer que é – Olhei para ela e revirei os olhos. Um silêncio constrangedor se iniciou enquanto caminhávamos. – Mas e ai? Que tal falar mais sobre você, senhorita Cassandra: A louca dos abraços longos?
- Louca dos abraços longos? – Ela gargalhara – Faça perguntas! Eu trabalho melhor com elas, senhor Matt: O louco das camisas fofas. – Sorri para ela.
- Hm, tá legal... Vejamos... – Eu não fazia ideia do que perguntar. – Quantos anos você tem?
- Dezessete... – Respondeu. – E você?
- Dezesseis.
Droga, ela é mais velha do que eu!
- Hm, quem diria? – Ela pareceu surpresa. – Matt ainda é um bebezinho!
E lá se vão as minhas chances...
- E a senhorita Cassandra é uma velha caquética, uau! – Revirei os olhos novamente. Ela riu.
- Mande mais perguntas, vamos! – Ela parecia empolgada.
- Tá legal, vamos nessa então... – Eu estava começando a me sentir mais a vontade perto dela. Não que normalmente eu ficasse nervoso perto de garotas, mas, era diferente com ela. Por algum motivo eu sentia uma desagradável necessidade de tentar impressiona-la. Mas é óbvio que eu parecia um idiota tentando fazer isso. – Quais são seus planos para o futuro?
- Hm, eu não sei... – Ela fez uma careta. – Terminar a escola e depois viajar o mundo com um mochilão e algumas garrafinhas de água. É um dos meus maiores sonhos!
- Uau... Incrível! – Sorri para ela. Viajar o mundo a fora era com certeza um dos meus sonhos também. – Aceita companhia?
- Ora, ora! O senhor Matt estaria disposto a viver tais incríveis aventuras comigo? – Ela forçou uma cara de desconfiança.
- Talvez... – Eu disse. – Garanto que irei com uma condição, lady Cass!
- E qual seria tal condição, sir Matt? – Respondeu ela, com o ar de importância de uma lady.
- Visitaremos primeiro o Reino Unido! – Falei com a entonação de um sir. Acho que preciso largar um pouco essa vibe de Game Of Thrones. – Para que meus ouvidos possam contemplar aquele maravilhoso sotaque de perto.
- É uma ótima escolha, sir Matt – Ela sorrira enquanto fazia uma reverencia – Seu desejo é uma ordem!
Não sabia mais o que dizer, não conseguia pensar em nenhuma forma de fazer com que aquele assunto rendesse mais. Minha mente havia dado um branco total. Cara, ela é tão linda! Por mim tudo bem ficar aqui só olhando para ela, sem dizer uma palavra, pra sempre! Mas, certamente ela acharia isso estranho. O que é que esse cara estranho tá olhando?
- Que foi? – Perguntou, fazendo uma careta e dando um sorriso sem graça.
- Ah... Nada, não é nada – Sorri constrangido voltando à realidade. Seu esquisito!
- Tudo bem então... – Ela sorrira, franzindo o cenho. – Mas e então? Você é da minha turma agora?
- Como assim? – Perguntei confuso.
Puta merda! Estávamos na escola, como eu não percebi isso? Olhei ao meu redor e então notei que não estávamos só na escola, mas também na porta da sala dela. Todas as garotas, inclusive Amy, estavam encarando nós dois. A garota e o intruso.
- Hmmmm, Cassandra trouxe o namorado para apresentar paras as amiguinhas! – Gritou uma garota de cabelos bem curtos e cacheados que usava óculos de armação vermelha. Cassandra revirou os olhos e riu enquanto me mandava um olhar que para mentes mais otimistas (o que certamente não era o meu caso) poderia significar duas coisas: "Ignore essa vaca" ou "Gosta da ideia de ser meu namorado? Pois, eu gosto!" Amy também revirou os olhos, mas com certa indignação e ódio e passou a olhar para a paisagem que a janela lhe permitia olhar.
- Eu preciso entrar agora, tá legal? – Ela disse,com a mesma carinha fofa de quando teve que ir embora da minha festa. – Nos vemos no intervalo?
- Ah, claro... Tudo bem! – Respondi, com certa tristeza na voz. Forcei-me a sorrir, na intenção de ignorar toda a esquisitice que havia acabado de acontecer. – Espero que sim!
Cassandra era melhor do que eu em ignorar as minhas esquisitices. Antes de finalmente entrar na sala, ela viera mais perto de mim de braços abertos e me abraçara forte, como costumava fazer. Iria mencionar a "Tarde da Jogatina", mas acabei deixando pra lá. Ela já havia entrado na sala e eu não queria chamar mais atenção para mim ou para ela.
Quando o sinal da escola tocara, o que significava que todos os alunos deveriam estar em suas respectivas salas, rapidamente corri para a minha. Não havia muitas pessoas lá, uns sete ou nove alunos no máximo e nenhum deles fazia parte do meu ciclo de amizade. Todos que faziam parte deste ciclo estavam na minha casa e, ao julgar pela hora, já devem estar ouvindo os berros da tia Cassie. Nem mesmo o professor ou professora havia chego ainda (Não faço ideia de que matéria teria aula hoje. A única coisa que sei, é que nas terças-feiras saio da escola depois do intervalo graças aos últimos e inexistentes tempos de artes, cujo professor nunca apareceu, deixando assim os tempos vagos e mandando todos para casa mais cedo).
Sentei-me em uma carteira vazia perto da janela que dava vista para a quadra da escola. É tão estranho e desconfortável sentar aqui sozinho, sem Gih, sem Jon. Normalmente, quando algum deles resolvia não ir à escola, eu logo arrumava alguma desculpa para não ter que vir também. Pois já previa que tudo seria exatamente assim, embaraçoso. O que as pessoas estariam pensando? "Nossa, olha só o louco dos pesadelos sozinho, deve ter matado os próprios amigos." E as coisas ficam ainda mais embaraçosas quando não se tem o que fazer. Não há uma aula para se prestar atenção. Não há coisas no quadro para se copiar. Não há amigos para conversar. Então, no fim, quando você se da conta, está olhando para as pessoas que estão interagindo e internamente reclamando sobre o quanto queria estar em qualquer outro lugar.
Dez minutos se passaram e eu já estava cansado de alternar entre "o cara que observa a paisagem" e "o cara que finge estar dormindo". Resolvi que o melhor a se fazer era pegar o caderno e fazer alguns rabiscos. Lembrei que Jon e eu estávamos pensando seriamente em começar a escrever uma HQ, com isso, comecei a bolar uma história qualquer. Talvez eu me inspirasse o bastante para escrever algo legal e depois ele poderia ilustrar, caso o interessasse.
Era uma noite escura, as ruas estavam vazias e tudo o que Vick e Calebe conseguiam ouvir enquanto cambaleavam bêbados era a canção dos grilos que irradiava por todos os cantos. O relógio de seus celulares marcava meia-noite. Eles ansiavam ficar ainda mais bêbados enquanto procuravam por uma loja de bebidas de esquina que estivesse aberta naquela madrugada de domingo. Enfiando, despreocupados, em suas bocas o gargalo de uma garrafa de vinho barato que tinham em mãos e levando a última dose que restara na garrafa até suas gargantas. Eles nem se quer repararam no corpo que estava recostado na parede logo à frente. O corpo estava trêmulo e quando os dois garotos chegaram perto o bastante para finalmente a atenção de seus olhos ser chamada para o pé iluminado pela fraca luz do único poste da rua. O corpo revelou ser um homem. Sua pele era aparentemente negra, seus cabelos longos e frisados. Seu torso magricelo estava despido e usava apenas uma bermuda jeans apertada cuja cor não podia ser identificada devido ao escuro. Ele acordara aparentemente assustado ao ouvir o som do arrastar dos pés de dois jovens bêbados que se aproximavam. O mendigo reclinou-se de forma que era possível ver sua coluna refletir através de sua pele de tão magro. Parecia estar tão bêbado quanto eles. Os garotos retrocederam um passo e mantiveram-se parados enquanto encaravam o mendigo que agora também os encarava.
Caleb tremia de pavor por temer ser atacado por um mendigo enquanto estava em seu estado indisposto e vulnerável. Enquanto Vick, que era mais ousado cumprimentara-o com um "Eaê maluco". O som da voz de Vick fez com que o homem levantasse e caminhasse desajeitadamente na direção deles. Entrando totalmente na fraca luz do poste, revelou para os dois garotos, um rosto assustador. Calebe arregalara os olhos e Vick tirara seu sorriso debochado do rosto. O homem estava furioso, tão furioso que rosnara para os garotos enquanto...
- Turma 2002! – Todas as conversas paralelas foram interrompidas, tudo ficou em silêncio e todos passaram a prestar atenção na figura autoritária de postura militar que estava parada na porta de entrada da sala. Era Selyna, a inspetora. – O professor Benjamin não virá dar aula hoje, o que significa que todos vocês estão liberados. Por favor, desçam até o pátio e tomem o rumo da casa de vocês! Agradeço a atenção de todos.
Selyna parecia ter saído das forças especiais da Rússia. Cabelos curtos e brancos, pele bronzeada e cheia de rugas. Ela era gigante, acredito que seja até maior que o tio Lincoln. Seus olhos eram negros, sem brilho, parecia que ela tivera sido obrigada a assistir a cada um de seus companheiros (a) de guerra ser brutalmente assassinados pelo exército inimigo. Mas falando sério, todos sabem que ela não é e nunca foi um soldado de verdade e muito menos tinha vindo da Rússia, mas ainda sim, todos tinham medo dela. Tinham medo da forma como ela olhava, da forma como ela falava, da forma como ela sorria. Ela era mesmo assustadora. Existem boatos que alguns alunos espalham, de que ela estrangulou o ex-marido até a morte com as próprias mãos após ele ter dado um tapa em seu rosto durante uma discussão.
Juntei-me aos alunos que iam em direção aos corredores com o rabo entre as pernas na presença de Selyna. Ainda faltavam três horas para o intervalo e então uma dúvida agoniante me veio em mente: Ir embora ou esperar o intervalo para ver a Cassandra? Droga... É uma escolha difícil, muito difícil. Se eu for para casa agora, terei que aturar tia Cassie berrar em meus ouvidos e serei forçado a me juntar ao mutirão de arrumação da casa (o que honestamente, não estou nem um pouco a fim de fazer). Se eu ficar na escola, verei Cassandra por mais quinze minutos e poderei finalmente convida-la para a "Tarde da Jogatina". Entretanto, nem tudo são flores. Terei de esperar três horas (o que seria ou será horrível) e embora isso possa soar meigo para algumas pessoas, há uma grande chance de Cassandra achar tudo isso muito esquisito e considerar a possibilidade de que estou obcecado por ela. Cara, isso não seria nada legal. Ela pode achar que espera-la por três horas seja um ato psicótico e desesperado de perseguição. É... Isso certamente destruiria todas as minhas chances com ela, se é que tenho alguma.
- Ei, cuzão! – Alguém sussurrou. Alto o bastante para ser ouvido na China.
- O que é que você tá fazendo aqui, cara? – Sorri aliviado, era Dave. Não ficarei aqui sozinho e poderei dizer a Cassandra que só estava fazendo companhia ao Dave caso ela pergunte se eu sou louco por tê-la esperado por três horas. Obrigado, Deus!
- Sabe como é... Depois que sai do banheiro fui correndo pra casa me arrumar. – Ele estava ofegante e a roupa toda amarrotada. – Perdi muita coisa?
- Ah, não... Na verdade, já estamos até liberados. - Respondi
- Que merda... Sério? Por quê? – Ele parecia mesmo desapontado, o que era estranho. Dave não era muito fã da escola.
- O Benjamin não veio hoje – Respondi. – Por que tá tão desapontado cara? Você costuma ser o cara que grita "Graças a Deus" quando temos algum tempo vago.
- Ah, cara... Sabe como é... Tinha planos de chamar a Julie pra conversar – Ele respondeu, parecia bem triste.
- Entendo... – Forcei uma cara triste e dei um amigável tapa no ombro dele. – Mas se te consola, não tenho planos de ir embora, então... Podemos fazer companhia um ao outro enquanto você a espera.
- AH, MOLEQUE! – Ele abriu um sorriso de orelha a orelha – Tá esperando aquela pitanguinha da festa?
- É, por aí... – Revirei os olhos.
- Hmmm, cachorrão mesmo! – Ele disse, enquanto fazia o que intitula "cara de safadão". É quando ele sorri mordendo os lábios com os dentes amostra e inclina a cabeça enquanto foca os olhos dele em você. Balancei negativamente a cabeça com vergonha e sorri.
- O que tá rolando com você e a Julie? – Forcei seriedade para que ele pudesse se abrir, afinal,ficaríamos um bom tempo aqui. – Não tinham terminado?
- Longa história, bro! – Respondeu. Pareceu desconfortável com a minha pergunta. – Vamos procurar um lugar pra sentar. Ficar aqui em pé tá foda já.
Dave era o cara mais brincalhão e doido do meu grupo de amigos. Ele nunca demonstrou nenhum tipo de tristeza antes. Toda vez que contava histórias sobre seus problemas em casa, ele transformava toda a história em uma grande piada, não importando o quão trágica ela fosse. Normalmente, ninguém acreditava nele, pois achavam que ninguém seria capaz de brincar com coisas do tipo. Já fizemos todo o tipo de brincadeira (algumas até poderiam ser consideradas pesadas) com Dave, mas ele nunca pareceu se incomodar. Isso fez com que nós dois nos tornássemos amigos próximos. Éramos dois caras com histórias trágicas que faziam piadas sobre suas próprias tragédias. Mas isso era algo particular nosso, já que nossos amigos não gostavam dessa nossa "qualidade". Ele era um pouco mais baixo que eu, pele morena, corpo atlético, olhos castanhos claros, cabelos raspados nas laterais e um topete.
Sentamos em um dos banquinhos que ficam no pátio da escola. Dave pegou o telefone dele e colocou Snuff do Slipknot para tocar. A música até que combinou com o clima. A iluminação do lugar, as árvores balançando dramaticamente do lado de fora e o frio aconchegante proporcionaram uma vibe triste, mas que era legal de sentir.
- Uau cara, cê tá na merda mesmo! – Sorri para ele, mas ele não sorriu de volta.
- Já pensou em morrer, cara? – Ele me perguntou enquanto olhava fixamente para o chão.
- Ah, bom... Algumas vezes – Respondi surpreso. Nunca pensei que Dave me perguntaria algo assim. – Mas penso nos vídeo games que serão lançados no futuro e chego à conclusão de que ainda vale a pena continuar vivo.
- Eu estou falando sério, cara... – Ele respondeu, ainda olhando para o chão.
- Eu também, cara... – Respondi triste. – Mas, por que a pergunta?
- Sei lá, cara... – Ele olhou para mim. – Já sentiu como se estivesse enjoado da vida? Como se o mundo não tivesse mais nada de novo para conhecer? Como se por mais que você não se sentisse feliz no passado, suas memórias fazem com que o presente seja ainda pior, pois não é como o passado e você sabe que o passado nunca voltará a ser o presente?
- Confuso, cara... – Eu entendia o que ele queria dizer. – Mas olha só, você ainda não fez todas as coisas que o mundo pode te proporcionar. Já usou LSD, por exemplo? Eu também não! Então imagine quantas coisas você ainda não comeu, não usou, ou não fez, mas que você poderia acabar fazendo caso vivesse mais uns trinta anos!
- É... Mas, cara... – Ele começou a dizer.
- "Mas..." nada, mano! – Eu o interrompi – Eu aposto que essa não é a primeira vez que cogita morrer e eu também aposto que muita coisa incrível aconteceu depois e que com certeza você pensou "porra, ainda bem que eu não fiz nenhuma besteira daquela vez". Dessa vez não é diferente. Você ainda vai fazer muita loucura nesse mundo, meu amigo!
- É... Você tem razão, mano – Algumas lágrimas caíram de seus olhos, mas ele sorriu e rapidamente as limpou.
- Eu sei, eu sou o fodão mesmo – Sorri para ele. – Tudo isso é por causa da Julie?
- É... Por aí... – Ele voltara a olhar para o chão.
- Francamente, hein? – Revirei os olhos – Um galã como você pensar em suicídio por causa de uma garota?
- Não é por causa da garota, cara – Ele olhara para mim com os olhos se enchendo de lágrimas novamente. – É por causa de toda a agonia, dor, a porra do vazio que fica. É como se meus órgãos internos estivessem cortados e latejando. Às vezes eu sinto uma fraqueza no corpo e uma falta agoniante de ar. Toda essa sensação não para nem se quer por um segundo. Nada é capaz de distrair a minha mente, nada alivia a dor, nadinha mesmo. A melhor parte do dia é quando estou na escola com você e o resto do grupo, mas esse momento não dura o dia inteiro. Entende o que eu quero dizer? Quando me dou conta já estou em casa, deitado na minha cama, olhando para porra do teto e coisas assim vem à mente. Entende?
- Acho que sim, cara... – Fiquei triste pelo Dave e ainda mais triste por não saber o que dizer e nem como ajuda-lo. – Vai ficar tudo bem, cara...
- Eu espero que sim... – Ele limpou os olhos, sorriu e tentou fingir ser o Dave de sempre. – Já é oficial o lance com a pitanguinha do cabelo colorido?
- Claro que não... – Sorri constrangido
- Cê gosta dela, né moleque? – Ele fez a "cara de safadão" – Tá na sua cara!
- É, acho que sim! – Balancei a cabeça negativamente enquanto sorria. – Não acredito que eu disse isso em voz alta.
- Por que não chama ela para vir com a gente hoje? – Perguntou Dave.
- Ir para onde? – Perguntei,confuso
- A Tarde da Jogatina,ué – Ele revirou os olhos como se fosse óbvio.
- Ah, eu estava pensando em fazer isso mesmo – Respondi.
- Então é melhor você fazer logo! – Ele fez a "cara de safadão" de novo.
- Como assim? – Por que diabos ele está fazendo essa cara?
- Olha ela ali, porra! – Ele apontou para o bebedouro – Corre lá, viado!
Meu coração acelerou. Cassandra estava lá, sozinha, enchendo um copinho de alumínio no bebedouro e tudo o que eu conseguia pensar era em me esconder.
- Acho que eu não estou pronto para isso. – Olhei para Dave – Melhor deixar para lá...
- Se você não levantar essa bunda dai em dez segundos para ir falar com ela... – Dave me olhou com a cara de safadão –... Eu mesmo chamo!
- Você não faria isso – Olhei para ele com desconfiança.
- Ah, é mesmo? – Ele fez uma assustadora e maléfica versão da cara de safadão – Ei, Pitan...!
- Tá legal, tá legal – Eu o impedi antes que fosse tarde. – Eu vou!
- Ah garoto! – Ele sorriu – Boa sorte!
Levantei, me virei para Dave, mostrei meu dedo do meio e caminhei em direção a Cassandra.
- Olá, senhorita Cassandra! – Acenei.
- Olá, senhor Matt – Ela fez uma reverencia. – Não era pro senhor estar na sala de aula?
- Acho que sim. – Sorri – Mas o professor não veio e minha turma já foi liberada.
- Hm, o que faz aqui então? – Ela fez uma careta que parecia ter a mesma intenção da cara de safadão do Dave.
- Faço companhia ao Dave – Respondi imediatamente – Ele tá esperando alguém...
- Ah sim, entendi. – Ela respondeu pensativa – Tenho que te perguntar uma coisa...
- Ah, sério? – Respondi,nervoso – Eu também...
- Hmmm... Você primeiro! – Ela deu um sorriso malicioso.
- Não mesmo... – Respondi com o mesmo sorriso. – Você primeiro!
- Que tal irmos ao mesmo tempo? – Ela sugeriu
- Por mim tudo bem... – Sorri.
- Três... – Começou ela.
- Dois... - Continuei.
- Um!... – Falamos ao mesmo tempo.
- Quer ir na "Tarde da Jogatina" comigo? - Sorri constrangido.
- Quer ir assistir ao ensaio da minha banda? – Ela disse empolgada.
- Ensaio da sua banda? – Perguntei confuso.
- Tarde da Jogatina? – Ela perguntou, também confusa. – Conte mais sobre!
- Ah, é que toda terça-feira meus amigos se reúnem na casa do Dave para jogarmos vídeo game. Seria legal se você fosse, poderia ser da minha equipe no Mortal Kombat.
- Que máximo! – Ela parecia empolgada com a ideia – Que horas?
- Depois da escola... – Sorri para ela – Tudo bem pra você?
- Certo! Passo na sua casa quando estiver pronta. – Ela sorriu. – Mas às sete e meia tenho de ir para o ensaio, ok?
- Perfeito! – Não conseguia conter a minha alegria. Ela aceitou sair comigo!
- Preciso voltar pra sala agora. – Disse ela, levantando seu copinho em um brinde ao ar enquanto se retirava a caminho de sua sala. – Nos vemos mais tarde, senhor Matt!
- Nos vemos mais tarde, senhorita Cassandra! – Acenei em despedida.
Quando me virei para trás, Dave começou a fazer sinais com as mãos que significavam que ele queria saber se tudo havia dado certo. Fiz joinha com as duas mãos junto de um sorriso de orelha a orelha e ele saltou do banquinho em comemoração, como um torcedor na arquibancada após seu time marcar um gol.
- ESSE É MEU GAROTO! – Ele berrou. Tudo o que fiz foi sorrir constrangido enquanto me retirava do pátio para que ninguém soubesse que era a mim que ele se referia.
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Esse foi o quarto capítulo de um livro que está sendo escrito pelos autores Matheus Ramos e Rômulo Fernandes, intitulado "Monstros em Meus Ombros". Ele entrou em contato conosco para que pudêssemos trazer a história pro blog para que vocês possam nos dizer o que acharam até então. Aguardem os próximos capítulos em breve, e se gostaram, comentem! Só assim saberemos se vocês estão gostando dos contos e/ou séries que estamos postando. A qualidade do nosso blog depende muito da sua opinião!
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