Lembro como se fosse ontem: quando meu pai ensinou-me a brincar daquilo, ele disse apenas que nós precisávamos entrar no closet, fechar a porta e ter certeza que está escuro, fechar os olhos e pensar em um mundo completamente diferente, o contrário no qual nós estamos vivendo, um lugar que não vai ter tristeza, brigas, doenças. Basicamente, é o inverso do nosso. Papai sempre fazia isso quando dava a hora do jantar e não tinha comida na mesa, ou ele pedia para eu fazer com meu irmão mais novo, quando começava a discutir com a minha mãe.
Faz muito tempo isso, o nome do jogo era "Um Lugar Feliz". Agora, sou um adulto, casado com uma mulher um pouco mais nova. O nosso relacionamento sempre foi estável, tinha os seus altos e os seus baixos. O problema foi que, depois de muitos anos vivendo com ela, os baixos prevalecerão, deixando a nossa união uma completa desgraça. Nós não dormimos juntos mais, a única coisa que ligava o nosso casamento era o nosso filho, Daniel, que agora tem oito anos. Fomos convidados para uma festa, na casa dos vizinhos, e bebemos um pouco. No meio do efeito do álcool, dormimos juntos depois de muito tempo. Depois de uns dias, ela disse que estava grávida.
Foi uma surpresa para mim, ainda mais, sei que ela não desejava outra criança. Logo, nos primeiros exames, os médicos disseram que o nosso filho poderia ter alguns problemas de saúde. Quando ele nasceu, já tinha a certeza de que o nosso filho não duraria muito. Os médicos disseram que era um milagre ele ter nascido. Bem, foi aqui que as coisas ficaram um pouco estranhas, encontrava-me na fase de aceitação a condição do meu bebê, e as várias palavras dos médicos dizendo que ele não duraria por muito tempo. Contudo a minha esposa carregava um sorriso em seu rosto, algo naquela criança deixava a minha companheira feliz, como se ela tivesse um motivo para viver, dedicando-se cem por cento ao nosso filho.
Além dos problemas de saúde, o bebê tem que comer certos tipos de alimentos, mesmo que se alimentando bem pouco. Daniel, o meu filho mais velho, gostava muito dele. Falando dessa forma, não significa que eu despreze a minha criança, apenas é uma observação em relação a esse momento em nossas vidas. Uma das coisas que me incomodava, talvez a única, era o fato que ele não dormia... Passava a noite toda acordado, chorando, querendo atenção, e a minha mulher ficava à noite toda com ele. Carregando o nosso fruto em seus braços, passeando com aquela coisa pequena por toda a casa, a madrugada toda.
Era evidente que o nosso Daniel já não suportava mais ver aquele sofrimento. Eu tive que fazer algo para tentar confortar o meu menino mais velho: ensinei a brincadeira do Lugar Feliz. Coloquei ele dentro do closet, sentei ao seu lado, fechei a porta, disse que fechasse os olhos e pense num lugar ao contrário da nossa casa, um lugar feliz. Expliquei que deveria imaginar onde o seu irmão tem saúde, a sua mãe é feliz e não brigasse comigo. Ficamos por alguns minutos no escuro, apenas escutando a nossa respiração, quando abrir a porta, vi que o meu garoto estava sorrindo.
Parecia que tudo tinha melhorado, apenas parecia... Fui surpreendido pelos gritos da minha esposa chamando-me. Fui ao seu encontro e vi nosso filho imóvel, pálido e não respirava. Nós levamos ele ao médico, e chegando lá, disseram que, depois de muito sofrimento, finalmente morreu. A minha esposa caiu em lágrimas, e eu tentei mostrar tristeza, porém esperava por isso. Até o momento, não disse nada para o meu filho mais velho. Na hora do enterro do seu irmãozinho, foi que falei que o bebê havia morrido. Daniel ficou triste, todavia não demorou muito tempo para aceitar.
As coisas ficaram conturbadas dentro da nossa casa, pois a minha esposa ficava o tempo todo se lamentando e sempre arrumando uma desculpa para brigar comigo como se eu tivesse culpa de algo. Ela mal dava carinho ao nosso filho, parecia que nunca tivesse existido. Ela, apenas, ficava pensando naquele fruto, mesmo sabendo que ele sofreu bastante esses meses em que estava vivo, mas negou essas coisas e passou a me odiar em todos os sentidos.
Não consegui dormir essa noite, a nossa última briga foi muito feia, e precisava relaxar. Lembrei do Lugar Feliz... Entrei no closet, do quarto do meu filho, quando ele estava dormindo. Fechei os meus olhos e imaginei um lugar ao avesso. Uma vida em que nós éramos felizes. Fiquei por um bom tempo e acabei cochilando. Acordei e saí do closet. Logo, notei algo diferente: a casa estava completamente estranha... As roupas do meu corpo estavam trocadas, visto que a camiseta branca e o meu short rosa ficaram com as cores inversas. A maçaneta da porta estava no lugar errado. Comecei a caminhar em nossa casa e encontrei o meu filho, este estava de costas para mim no corredor. Quando coloquei a mão em seu ombro, mandando ele se deitar...
Olhou para mim, aquilo não era o meu filho, era uma coisa horrível, o seu rosto estava desfigurado igual aquelas pessoas no filme "O Chamado". Caí, berrando e com medo. No corredor, apareceu a minha esposa e ela estava diferente, sorria para mim. Não sabia o que estava acontecendo. Voltei para o quarto do meu filho e tranquei a porta. Sabia que tinha algo estranho, algo que tem relação com a brincadeira do Lugar Feliz. Então, entrei no closet novamente e desejei que tudo fosse um sonho, e depois, voltei para o quarto, minha criança estava dormindo e tudo parecia normal, antes era como se eu tivesse entrado em um pesadelo. Após esse dia, nunca mais pensei em brincar do Lugar Feliz e disse para o meu filho que não brincasse mais.
Lembro que cheguei em casa, entrei no meu quarto e chamei o meu filho. Daniel não respondia. Fui ao seu quarto e vi quando ele saía de dentro do guarda-roupa com a minha esposa... Ela estava sorrindo. Fiquei baralhado, e Daniel também sorria, parecendo felizes. Sabia o que estava acontecendo, e parece que aquele joguinho estranho, do meu pai, funcionou com ela... As coisas pareciam boas, até que... Bem, a minha mulher ficou completamente paranóica, dizendo que eu estava no lugar errado e que precisávamos ir para o Lugar Feliz.
Ela ficava quase todo dia dentro do closet, no quarto do meu filho, e ele, muita das vezes, estava com ela, alimentando a sua loucura que criaram. Tudo por minha culpa! Algumas vezes, dava para escutar, bem baixinho, gargalhada de um bebê, e a essa altura, dava para imaginar o quanto ela havia perdido o juizo por completo ao imitar uma criança.
Estávamos jantando, quando ela começou a repetir as coisas de sempre que "nós estávamos no lugar errado"... O sangue subiu a minha cabeça, já estava entalado com tudo isso. Larguei a colher que estava comendo a sopa, o nosso filho ficou olhando para nós, foi a primeira vez que gritei com a minha mulher, falando as coisas que ela precisava saber, dizendo que deveria aceitar a porra da morte do nosso filho. Não sei o que deu em mim. Aproximei do meu filho para pedir desculpas e algo forte bateu contra minha cabeça...
A minha esposa havia amarrado os meus braços e as minhas pernas e dizendo que tudo iria ficar bem. Ela arrastou meu corpo e o do meu filho que se encontrava desacordado, com sangue saindo da sua cabeça. Aquela mulher parecia louca, bem pior do que já estava. Um cheiro de álcool ficava pareando no ar. Ela disse que iria acabar com essa realidade errada, segundo ela, a qual nós estávamos vivendo. Como uma alucinada, arrastou o corpo do meu filho para dentro do closet e me arrastou também. Tentei lutar, no entanto nada adiantava. O cheiro forte de gasolina foi ficando pior, até que ela entrou no quarto trazendo uma pilha de gasolina, então banhou o meu filho e a mim. Não pude grita por socorro porque estava com a boca amordaçada, tentei lutar, porém nada adiantava. Ela colocou gasolina em seu próprio corpo e disse que ficaria tudo bem.
Fechou a porta do closet, o cheiro de álcool estava muito forte, deixando-me embriagado. Sentada, ao lado do meu filho e eu, minha esposa acendeu o isqueiro, e uma explosão forte... Acordei um pouco atordoado e dei um grito alto, pois ainda sentia o cheiro de gasolina. Escutei a minha mulher falando na cozinha, o sorriso do meu filho, e uma coisa estranha... Dava para ouvir também a gargalhada de uma criança nova. Aproximei da cozinha e vi a minha mulher com a pele escura, os olhos cinzas parecendo um monstro com rosto deformado. O meu filho também da mesma forma, e ela segurava uma criança... O nosso filho que havia falecido! Tentei correr, mas quando coloquei a mão na maçaneta da porta, esta encontrava-se no lugar errado...
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